CECI N'EST PAS UNE ACTIMEL

Para tornar o que era tácito em categórico nos nossos dias, faltava era o ACTIMEL, que não contém mel. Café que não contém cafeína, samba rock que não contém rock nem samba.


É o ACTIMEL, parcialmente desnatado.


Vlad diz:
cara...eu quero ser ou a menina que dá o tapa ou a que leva o tapa
ser o menino na vida é mediocre

TELEFONE SEM FIO

Foi o meu amigo Thiago Lins quem me ensinou. Pegue um trecho de um texto poético de seu apetite e lance-o no tradutor de línguas do Google várias vezes, até voltar ao português. Vale a pena. Comecei buscando coerência no apelo argumentativo de Maluf:

Original: "Estupra, mas não mata"
português -> tailandês -> letão -> russo -> croata -> sueco -> indonésio -> italiano -> português
Tradução: "Estupro, mas não morto" (o que realmente deu sentido à frase)


Saltei para o Mano Brown.

Original:
"Muita coletividade na quebrada, dinheiro no bolso
Sem miséria, e é nóis...
Vamos brindar o dia de hoje
Que o amanhã só pertence a deus, a vida é loka."
português -> alemão -> lituano -> tailandês -> finlandês -> turco -> russo -> albanês -> hebraico -> hindi -> húngaro -> vietnamita -> grego -> indonésio -> holandês -> português
Tradução:
"Há um número de mediação comunitária em dinheiro
Além da dor e...
Atualmente os serviços de sua conta.
No futuro, só Deus, que em Outubro."
Ou seja, a vida é mais loka no mês de outubro - prepare-se.


Melô do Galo de Renato Dias

Original:
"Se não bastasse um pato
Que pensa que é gatinho
Tem um galo viajante
Pega esse galo, por favor
Que safadeza
Pega esse galo, eu tô que tô
Pega o bicho, dá xarope
Faz dele um Pavarotti
Ou o bicho vai pagar!
Cocoricó
Cocori, ah preguiça
Cocoricó"
português -> estoniano -> inglês -> dinamarquês -> turco -> russo -> húngaro -> sueco -> tailandês -> espanhol -> sérvio -> vietnamita -> português
Tradução:
"Se este não for o suficiente, e patos.
O que torna esta Mace.
Turistas pênis
Este é o frango, por favor.
Que Safadeza.
Meter frangos.
Adam! No entanto, como um xarope.
Adicionar Pavarotti'nin.
Você paga as pessoas!
Em gatzoneta.
Agachamento, é preguiçoso
Em gatzoneta."

EXPECTATIVA E NEUROSE

Há anos sou cobaia num valioso experimento. São duas as cidades e quatro as praias nas quais a expectativa pega um jacaré:

(letras = causas, números = consequências possíveis)

A. EXPECTATIVA POSITIVA (ansiar um resultado agradável):
1. se o resultado é bom: depressão da surpresa - da gostosura.
bonus track: inflação de ego, inflamação da auto-confiança, desadaptação
2. se o resultado é ruim: decepcão.
bonus track: rebaixamento da auto-estima, inferiorização do ego

B. EXPECTATIVA NEGATIVA (esperar por um resultado desagradável):
3. se o resultado é ruim: dilatação do sentimento de impotência.
bonus track: inferiorização do ego e forte rebaixamento da auto-estima  
4. se o resultado é bom: surpresa. 


Apesar da portinha 4 ser aparentemente a boa opção, há também um efeito colateral neurótico de se apostar sistematicamente nela: auto-depreciação e redução progressiva da energia focada nas ações presentes - se creio em minha constante incapacidade, inutilizo qualquer tipo de determinação, disciplina ou vontade: o que só pode  adstringir a satisfação.

Nenhuma delas agrada (embora possam ter utilidade em aplicações especiais, as quais não descrevo agora), e o que há em comum é a inimizade aguda pela incerteza.  Outra desvantagem, que alias tenta passar faceira e desapercebida, é a de minar a autenticidade e espontaneidade dos gestos. A expectativa é uma peça fundamental na engrenagem querer-ser/ fazer-ver. Quanto maior a expectativa, maior a afetação e artificialidade dos modos. 
 
Um Pacto de Varsóvia com a insegurança, ou seja, a aplicação de um real "tanto faz", canaliza o máximo da energia psíquica para a própria ação do sujeito. No entanto, a conquista do tanto-faz é caríssima, na base de cansaço, observação e mergulhos no vazio. 

Não há paz com a insegurança enquanto não se cria intimidade com a natureza vazia do ego. E este é outro papo.

CANIS PANEM SOMNIAT, PISCATOR PISCES.

Compensação por estabilidade - acho que o ser humano corre o grave risco de encontrar tudo aquilo que busca.

CARTA A SPINOZA DE NISE DA SILVEIRA

Meu caro Spinoza,

Estou lendo agora um livro sobre sua filosofia - Spinoza et l'imaginaire, que me tem agradado muito. Há inumeráveis livros eruditos sobre sua filosofia, tantas leituras diferentes, interpretações contraditórias de seu pensamento, as vezes até irritantes, que prefiro ir à fonte de seus próprios escritos, procurando entendê-los segundo minhas intuições. Permito-me essa liberdade, como permito-me a liberdade de escrever-lhe (...)
Voltando a Spinoza et l'imaginaire. A instância racional sempre foi glorificada, enquanto o imaginário atraía pouco os filósofos. Assim, fiquei feliz aprendendo com Michèle Bertrand, sempre baseada em seus textos, a estudar mais de perto seus pontos de vista sobre o imaginário. Esse tema me apaixona, pois está no próprio centro do trabalho que vem me ocupando quase a vida inteira.
Você distingue na dinâmica da psique, entre tantas outras coisas que seu olho de longo alcance percebeu, diferentes tipos de configuração de imagens.
Vou enumerá-las para tê-las bem presentes diante de mim:
a) Imagens configuradas em decorrência de perturbações do corpo, isto é, febre e outras alterações orgânicas; essas são imagens rudimentares e desconexas;
b) Imagens das coisas exteriores, percebidas graças às modificações que essas coisas exercem sobre o próprio corpo daquele que as observa. Portanto a percepção não é uma reprodução, um clichê da coisa percebida (...). Já aqui você faz um grande avanço, pois concede ao observador importância de relevo face aos objetos percebidos, coisa que ainda hoje muitos psicólogos não conseguem assimilar;
c) Idéias imaginativas ou imaginações do espírito, criadas por faculdade própria da psique: o poder de imaginar em toda liberdade, independente de imposições exteriores (...).
A elaboração do imaginário seria comparável à elaboração do pensamento racional, sem lhe ser, entretanto, idêntica; imaginário e pensamento racional possuindo cada um sua ordem e sua produtividade peculiares.
Surge então a pergunta: a linguagem do imaginário seria traduzível em termos racionais? Ou seria radicalmente heterogênea ao discurso racional?
Colocar esse problema parece-me muito atual para a psicologia e para a psiquiatria.
O imaginário seria perfeitamente legítimo, gozando da liberdade de encadear, segundo sua ordem própria, as imagens que configura. Apenas uma restrição você lhe faz: o espírito não erra pelo fato de imaginar, mas se assume nas imaginações como algo realmente existente no mundo exterior.
É aqui que vem se inserir muito daquilo que acontece nos estados do ser chamados loucura. Imagens visualizadas no mundo interno apresentam-se com força tão convincente, que dominam o indivíduo seja pelo terror ou pelo deslumbramento (...).
Caríssimo, é triste ver o que acontece em nossos dias quanto à posição face ao imaginário.
Na área das letras houve movimentos de revolta. Inconformados contra as maquinações racionais usadas pelo poder econômico durante a Primeira Guerra Mundial, poetas e escritores buscaram o imaginário. Lemos no Manifesto Surrealista de 1924: "Forçaras portas daquilo que era até então convencionado chamar hermetismo, fazendo tabula rasa da visão racional das coisas para substituí-las por conhecimento irracional e de certo modo primário dos objetos". Os surrealistas exageraram. Esse movimento foi válido na sua tentatíva compensatória, mas não poderia suster-se. As claridades do pensamento racional são muito belas. Não seriam abandonadas.
Evidentemente você jamais cogitou em substituir o real pelo imaginário. Creio que não fiz qualquer confusão! Compreendo que a ordem do imaginário e a alta ordem do pensamento racional são diferentes. E também que o imaginário não seria redutível a termos racionais. Aí está o nervo da questão.
Um grande mestre da psicologia do século xx, Sigmund Freud, influência comparável a Descartes, fez a cabeça das últimas gerações. Paradoxalmente, ele, que abriu as portas da psique inconsciente, onde se configuram as imagens primordiais, os rnitologemas, enfim o imaginário sob suas múltiplas formas, inclusive aquelas que nutrem as raízes das teorias científicas, mesmo as mais racionais, rebaixa os produtos da imaginação e dirige sua técnica no sentido de traduzí-lo em linguagem verbal. É que ele permaneceu fiel às concepções filosóficas do fim do século XX, racionalistas inveteradamente.
Daí decorre que, para os muitos seguidores de Freud, as imagens pintadas livremente nos hospitais psiquiátricos serviriam apenas de "médium" para associações verbais, unicamente essas capazes de trazer o material que acreditam esteja disfarçado, oculto nessas imagens até o nível consciente. Não constituíram em si mesmas e em sua ordenação peculiar uma linguagem independente. Deveriam sempre ser traduzidas e termos verbais.
Sem dúvida o imaginário estará mais próximo do inconsciente que a ordem racional. Mas coisa diferente será negar-lhe valor próprio, não vendo outra maneira de entendê-lo senão esfrangalhando as imagens até esvaziá-las de sua presente substância própria.
Trabalhando em hospital psiquiátrico, sempre procurei abrir aos doentes, que freqüentavam nossos ateliês de pintura e modelagem, oportunidade para livre expressão de seus processos imaginativos. Esses indivíduos habitam um mundo de imagens tão vivas, que se lhes afiguram absolutamente reais (...).
Muitas vezes me perguntaram se as imagens pintadas ou modeladas em nossos ateliês serviam como ponto de partida para insistirmos junto a seus autores, a fim de que as traduzissem em palavras. Nunca recorri a esse método.
Ao contrário, esforcei-me para estudar a linguagem do imaginário, seus arcaísmos, seus símbolos condensadores de intensos afetos não raro contraditórios. Isso me parecia menos difícil que transpor tais formas de expressão para nosso falar cotidiano.
Cada vez fui mais me convencendo que as imagens poderiam permitir vislumbrar-nos ocultas vivências sofridas para aqueles seres que se haviam afastado da nossa realidade, que tornaram "o invisível visível', ou quase. Começaríamos possivelmente a comunicarmo-nos.
Mas a ciência entrincheirada na ordem racional não aceita esses caminhos. Médicos e psicólogos passavam diante das imagens livres, nascidas do imaginário de homens e mulheres hospitalizados, sem lançar-lhes um golpe de vista, sequer por curiosidade. Entretanto, aquelas imagens eram retratos autênticos da atividade psíquica, que se havia configurado e haviam sido cuidadosamente dispostos sobre as paredes da sala do grupo de estudos do Museu de Imagens do Inconsciente com a intenção de ajudar possíveis estudiosos a enxergar o desdobramento, a peculiar ordenação de enigmas, do mundo interno. Mas nunca lhes despertava interesse pesquisar, nas longas séries de imagens, um fio subjacente, indo e vindo através de percursos labirínticos.
O ensino universitário, o clima geral de opinião de nossa época, impermeabilizara-os, coitados, para esse tipo de leitura.
Às vezes ficava triste, confesso a você.
(...) Felizmente tive a sorte de encontrar um grande mestre: C. G. Jung. Embora nem sempre ele estivesse de acordo com suas posições, caro Spinoza, Jung era um homem que, como você, navegava na contracorrente de seu tempo. Assim, divergindo dos seus contemporâneos, Jung atribui grande importância à imaginação, polarizando-a como atividade psíquica legítima. Atividade caracterizada pelo poder de configurar imagens. Imagens interiores que apreendem conteúdos profundos da vida psíquica, inacessível ao pensamento racional. Jung frisa ainda que a atividade imaginativa não tem em si caráter patológico, segundo lhe é de ordinário atribuído na área médica, pois se origina de dados objetivos inerentes aos básicos fundamentos da psique de todos os homens.
Agora, aqui em segredo, ouso supor que você tenha descoberto os poderes do imaginário e de suas possibilidades de organização, admirando, contemplando longamente as pinturas de seu contemporâneo Rembrandt. Decerto não lhe escapou que Rembrandt não se prendia à realidade objetiva segundo preferiam grandes mestres da pintura holandesa de sua época. Não estaria ele buscando no claro-escuro do imaginário segredos muito antigos, aspirações inefáveis?
Se numa tela célebre Rafael representou Platão com o indicador voltado para o alto e Aristóteles, o indicador voltado para a terra, Rembrandt exprimiu talvez coisas mais distantes, pintando Aristóteles com a mão respeitosamente pousada sobre a cabeça de um busto de Homero cego.
Ainda ontem à noite pensei muito em você, mergulhando na contemplação do Doutor Faustus, ou imóvel, diante do Filósofo com o livro aberto, olhos perdidos, muito além das letras impressas, tranqüilo, sentado ao lado de uma escada que se alonga em movimento espiralado não se sabe para onde.
Perdoe tanta ousadia.
A sua menor discípula,
Nise.

CENTENAS DE VEZES PEGUEI A LANTERNA, PROCURANDO EM PLENA LUZ DO DIA...


De repente a loucura do Cavaleiro tomou consciência de si mesma, e a seus próprios olhos se desfez em parvoíce. Mas será esta repentina sabedoria da loucura outra coisa que não "uma nova loucura que acaba de entrar-lhe pela cabeça?"

Foucault mirou ali no miolo da loucura: ela abarca o saber - não é a sua antítese, mas talvez a própria estrutura das possibilidades, o labirinto infinito e autofecundante de todos os estados do eu. Dizer 'nada sei' já é crer saber algo.



EM AZUL

www.eltonpi.blogspot.com é o local de minha investida nos desenhos. A coisa vai de maneira sofrível neste início - falta de técnica e talento. Mas enfim, se você aguenta ler isso, rabisco é colírio.


REICHSTHALER

A burguesia rasgou o véu comovente e sentimental do relacionamento familiar e o reduziu a uma relação puramente monetária. Karl Marx

Ou na Alemanha de 1828 Karlinhos, sempre que afim de afeto, era contribuinte de severos impostos pelos afagos de sua família, ou eis aí um exemplo preciso de como se estragar uma argumentação numa toada romântica. Vejam como pouco ou nada muda:

A burguesia rasgou o véu comovente e sentimental do relacionamento familiar e o reduziu a uma relação puramente monetária. Pedro Bial

Saibam que pesquisei o nome da unidade monetária alemã da década de 1820, e saibam que ela se chamava assim: Reichsthaler.

ONOMÁSTICA

Há uma gíria somente joséense (nativa de São José dos Campos) que se chama castelar. Castela bem quem constrói altos castelos de areia: fantasia com desenvoltura ou oferece mentiras à sociedade. Não tente castelar em São Paulo, ou em Varginha, ou em Londrina, na expectativa de ser reconhecido. Ouvi falarem "sussa" em minha primeira mudança para São Paulo, ouvi dizerem que tal pessoa estava "sussa" enquanto eu deduzia corretamente que a pessoa que estava "sussa" estava muito bem sossegada, embora alguém, enquanto aquela pessoa estava "sussa", lhe atribuísse essa adaptação adjetiva um pouco constrangedora. O fato é que ninguém sabe ao certo como as gírias se propagam. A título de nada ou de rigorosa pesquisa científica comecei a lançar novas gírias no meu círculo comunitário, na esperança de uma possível verberação estadual. O que desejo pedir é o seguinte: caso alguém em Caçapava ou em Diadema venha a dizer que o desenrolar da economia mundial está em estado de choupana, façam-me saber.

ESCOVAÇÃO MATINAL E MEDO

Fortíssimo candidato ao maior emblema de minha geração, já que há cerca de um decênio qualquer sujeito é testemunha de sua façanha epidêmica - muito afim de ancas, dorsos, nucas e culotes - é a tatuagem carpe diem, micose de estatuto popular.

É com a maior tranquilidade que afirmo não se tratar da ressurgência do movimento árcade, por constatação simples. Sinto-me livre para também ignorar qual seja o sentido original do termo (pois essa é apenas uma manobra para conectar-me a outro tema), e considero exclusivamente a vertente moderna que se compreende no seguinte sinônimo, de lógica a=b, tal que: a="aproveitar o dia é aproveitar a vida!", b="viva o momento como se fosse o seu último!". Após evitar qualquer rememoração das propagandas da Colgate, devemos admitir que a proposta é vigorosa, pois força a noção de limite máximo (aproximação da sensação da morte) como medida de pressão pela torrente imediata da libido, ou seja, ampliar o ímpeto pelo meu bolinho primavera, sentir todo o sabor numa só mordida de prazer, porque o prazo de validade é pra meia-noite.
Mas eu não posso aproveitar o momento como se fosse o último, e não o posso por dois fatores. Não há força suficientemente capaz de convencer-me de que estou para acabar - a sensação de continuidade é um recurso inalienável da saúde do sistema psicofisiológico - e, principalmente, a morte, ela mesma, nunca esteve excluída desse processo integral da psique. Quero dizer com isso que não é a morte a causadora da sensação de limite, nem tem ela com a "anti-vida". Não sente-se diretamente a morte, sente-se é o medo dela.

Recentemente entrei em contato com este trecho, que me sorri agora:
Uma consciência não é por si mesma fragmentada. Ela sente de modo não fragmentado; um acordar diário dela é sensivelmente uma unidade. (...) a sensação do trovão é também a sensação do silêncio agora mesmo acabado; e seria difícil encontrar, na consciência concreta do homem, uma sensação tão limitada ao presente. William James

Vivemos não um determinado momento, um lampejo de percepção descontextualizada, mas a experiência presente da consciência é uma fluidez de ligação entre fenômenos que ocorreram e que estão próximos de ocorrer, participam de uma unidade. Em outras palavras, o eu é um complexo contínuo, e nem o maior dos fanfarrões poderia despojar-se do seu senso de correnteza e forçar uma sensação de interrupção de si. O homem não só acredita no amanhã como sente o amanhã.

(...) nós assistimos, a cada instante, a este prodígio da conexão das experiências, e ninguém sabe melhor do que nós como ele se dá, já que nós somos este laço de relações. Merleau-Ponty

Durante o sono, atravessamos diferentes fases de metabolismo cerebral e tombamos efetivamente, nos períodos de improdutividade onírica, na parcial ou completa inatividade da consciência (estágios de sono NREM, notadamente o 4º) – ou seja, uma morte. Não atinamos com esse intervalo de inexistência ao acordar, mas reativamos automaticamente a perpetuidade do familiar “eu mesmo”. Entregamo-nos à morte crua, diariamente, e confiamos infinitamente no sistema psicofisiológico pela ressurreição matinal. Jamais nos questionamos seriamente se acaso voltaremos a acordar, tampouco nos ressentimos de morrer antes de dormir. Enfrentamos a morte como parte natural e integrante do fluxo da vida - ela não está expurgada da nossa experiência e realização do self. No sono, é justamente por não existir o medo da morte que não lidamos psicologicamente com um fim: o fim é experiência do medo.


Mas, só poderia falar sobre o medo aquele que fosse capaz de ter com essa imagem sem temores - e este alguém não sou eu.

CAVALO CASA CAVALO CASA

Caros, não é só o Michael Jackson quem se interessa por crianças selvagens. 

Acabo de traduzir a autobiografia de Kaspar Hauser (alemão -> francês -> português), 
motivado pela ausência de uma publicação brasileira.
















NATIMORTO

Imagine um deserto, e nele venta. Num ponto arbitrário da imensidão há uma cancela, simples, das de barrar carro em condomínio. Isto é tudo: o deserto, o vento a atravessar livremente a cancela, operante e inútil. O deserto é o ego, o vento é o id, a cancela é o superego. E os conceitos são freudianos, de picotar.
.

Identificação não é criação, mas direcionamento. Sobre isso, jamais daria uma definição mais precisa que esta:

O ego está para o eu como o movido está para o motor, ou como o objeto está para o sujeito... O eu, como o inconsciente, é um a priori existente, do qual envolve o ego. É, por assim dizer, uma prefiguração inconsciente do ego. Não sou eu quem me crio o a mim mesmo, antes aconteço pra mim mesmo. Jung

O fim da passividade da consciência no processo de identificação coloca o sujeito no imediato vazio do ego, sobretudo diante dessa "mente a priori". Convenhamos, isto é interessante: não é a consciência quem dá origem à mente inconsciente, mas o exato oposto.

O conceito do ego, com sua capacidade de ser quebrado em muitos egos discretos, é tentador para a psicologia experimental, pois convida ao método de estudo “divide e impera”, que herdamos em nosso método científico dicotomizado tradicional... Se se contestar que o quadro da multidão de egos reflete a fragmentação do homem contemporâneo, eu replicaria que todo conceito de fragmentação pressupõe alguma unidade da qual ele representa uma fragmentação... Pois nem o ego, nem o inconsciente, nem o corpo são autônomos. Por sua própria natureza, a autonomia só se localiza no eu centralizado... Tanto lógica quanto psicologicamente precisamos colocar-nos atrás do sistema ego-id-superego e tentar compreender o “ser” de que estes são expressões. Rollo May - psicólogo experimental  


OUVRE-MOI TA PORTE

- Quer saber o que me cansa?
- Posso?
- Sabe quando pessoas se fingem de equilibradas?
- Isso é meio vago... 
- Não, to falando de uma coisa bastante específica... quando um extremista diz considerar o contrário só por um equilíbrio discursivo... pra sentir compensada a sua radicalidade, sabe disso? Um exemplo prático... um político da minha cidade quis controlar o abuso de velocidade e disse que mesmo assim "o importante é o trânsito fluir!"... mas ele aumentou a fiscalização, metralhou de multas a cidade inteira... deixou o tráfego completamente estagnado!... o idiota fez seqüências de vermelhos nas avenidas... isso sim irrita, como se só distribuir uma frase "devemos entender que o trânsito tem de fluir" já fizesse dele um budista... oração é oração, ação é ação.
- Ah, você tem toda razão nisso.
- Mas e você... o que você não aceita? 
- Ter duas fotos abraçado com o Amaury Júnior e nenhuma com o Sérgio Mallandro.
- Bom... então o que te incomoda também é o desequilíbrio.

CONSEQUÊNCIA (SEM TREMA) DA MENSAGEM ANTERIOR

Por que és infeliz?
Porque 99,9%
de tudo o que pensas
e de tudo o que fazes
é para ti,
e em ti não há ninguém.

Shankara (788 – 820)

GÊNESE

Aos 18 anos de idade busquei resposta a uma questão bastante pendente, a da existência, e a minha distintamente, não só por egoísmo, mas por ser tudo o que tenho. Como brilha o olhar daquele que observa um amigo a listar-lhe alguns traços de personalidade, deveria haver remuração, se fossemos mais generosos, por essa livre consultoria de identidade. Na sequência, e com maior admiração, entendi que além da apreensão dos eus externos, a referência interior também não se tratava, absolutamente, de mim mesmo. Fechei os olhos e mergulhei no negrume. Observei com um interesse intensivo, todo o escrúpulo na atenção - "Sou o quê?". Em pouco tempo, o curioso não foram as formulações obtidas, independente do material levantado, mas antes a metodologia exploratória empreendida: o uso da memória. A memória é uma pochete imaterial na qual se guarda o passado, mas não é só, dentro dela há um artista expressionista a adulterar tudo. Para saber quem sou, deveria aceitar o uso da memória? Seja qual fosse a descrição, era do passado e fictícia. No instante presente um saber antigo não poderia satisfazer-me por faltar com a verdade. Eu ser uma ficção encheu-me de vivacidade, experimentei uma disposição de espírito inteiramente nova, sozinho e investigativo, indisposto com as respostas por puro descrédito à condição de ofertar-me verdades. "Eu sou uma ficção", portanto, foi a primeira resposta acolhida. Alterei em seguida a questão "O que sou?" para "Existe uma compreensão imediata do que sou neste instante?". No momento da atenção, ao invalidar a memória na experiência direta de si, eu jamais soube o que estava a existir. O silêncio invadiu a minha mais íntima sala e consagrou-se no sofá. Conclui, ali todo perplexo, o saber real de si não ser racional. No afã de pensar ainda consegui algo satisfatório, conquistei um ilimitado "não sei".

AS FOLHAS CAEM NO QUINTAL

Plee diz:
puts
Plee diz:
a sandy perde a oportunidade de ficar no canto dela né
Elton diz:
q q aconteceu?
Plee diz:
nada
Plee diz:
ela resolve se enfiar
Plee diz:
em coisas
Elton diz:
enquanto coisas
Elton diz:
podiam se enfiar nela
Plee diz:
uma música eletrônica podre
Elton diz:
como facas

SINCRONICIDADES

Em eventos completamente distintos, tempos atrás, caíram-me nas mãos estes dois pequenos poemas, de autores igualmente distintos:


Quem és tu, caro leitor, lendo estes poemas daqui a cem anos?
Não posso te enviar uma só flor de toda a riqueza desta primavera, nenhum raio destas nuvens douradas...
Abre tuas portas, e olha ao redor!
Colhe de teu jardim as perfumadas lembranças das flores que murcharam cem anos antes... Talvez recebas em teu coração a alegria viva que te envio nesta manhã de primavera, ecoando sua voz feliz através destes cem anos.


Rabindranath Tagore (1861-1941)


Agora cheio de vida, pleno, visível,
Eu, com quarenta anos de idade no octogésimo terceiro ano dos Estados Unidos,
Para alguém daqui a um século ou a muitos séculos,
Para ti ainda por nascer, estas palavras, procurando-te.

Quando as leres, eu que estava visível, estarei invisível
E tu serás pleno, visível, entenderás os meus poemas, procurando-me,
Imaginando como serias feliz se eu pudesse estar contigo e ser teu companheiro.
Que assim seja como se eu estivesse contigo. (Não estejas tão certo, mas eu estou neste momento contigo).


Walt Whitman (1819-1892)


Num instante, Tagore e Whitman entregaram-se à imortalidade insegura e crua: a anônima continuidade da mente humana. Tagore, Withman, não importa quem. A mente que experimento carrega a condição humana, ou a condição humana carrega a mente que experimento. Naquele exato momento, inclusive parei da vastidão contemplativa, estavam vivos comigo.

O QUE SOMOS, POR TRÁS DE TODAS AS NOSSAS BÁSCARAS, SENÃO HOMENS DESMEDIDOS?




Geometria psicanalítica. Funções da consciência. O meu plano cartesiano é o da trilha sonora do dia. Justice.


DIÁLOGO COM O MEU FACÍNORA

Sou simpatizante da idéia de que certas coisas merecem nada além do desprezo. Contudo, sou primeiramente um idealista (massacrado pela realidade, fato) e, como tal, defendo muito mais a liberdade individual a qualquer outra coisa, o que me impede de aceitar a censura. Para livrar-me desse conflito de opostos, descobri desde cedo o componente de cauterização das duas vontades, aparentemente inconciliáveis: a censura individual, o boicote. Nada como o prazer de afastar longamente certas farpas de minha vida. Por exemplo, não vejo filmes nos quais conste a arte de Julia Roberts ou de Deni Devito. Boicoto também os açais de 10 reais de São Paulo de tal maneira que, a depender do meu apetite, esses administradores paulistanos teriam com a imediata falência. De fato, considero o boicote a mais importante ferramenta de transformação da sociedade, como acabo de demonstrar.

Há muitos anos, sigo à risca um compromisso firmado com minha própria dignidade: proíbo-me de deixar passar pela televisão sequer a sombra do maior emblema da fragilidade do caráter humano que conheço, o Fausto Silva. É simples: para mim, esse sujeito não existe. Acabo de lembrar-me de um planejamento ambiental de minha infância, de que para livrar o mundo do excesso de produção de lixo e poluentes, deveríamos expeli-los regularmente para o espaço sideral - deixando o infinito abraçá-los. Fausto Silva anda a orbitar Plutão.

Entretanto, o boicote dos conteúdos psicológicos é altamente desaconselhável. O indesejável interno não pode ser simplesmente expelido, a menos que você cultive abertamente as neuroses, como quem rega ervas daninhas. Se o Fausto Silva externo não existe, o Fausto Silva interno é o meu Mefistófeles. Fausto Silva interno simboliza toda a minha decadência pessoal. Segundo Jung, não é difícil o indivíduo reconhecer o ângulo relativamente mau de sua natureza, isto é, deparar-se com a sombra pessoal ou coletiva, mas deparar-se com o absolutamente ruim, ou seja, com o Fausto Silva, representa uma vivência ao mesmo tempo rara e assombrosa. O mau é uma realidade e não é possível desvencilhar-se dele por meio de eufemismo ou recalque, por isso é necessária a convivência. Assim, ocupei-me de paciência e coragem para convocar um debate interno, como uma primeira medida conciliatória. Foram convidados: o meu diabo (Fausto Silva), uma excelentíssima banca acadêmica para deliberar sobre os acontecimentos e, naturalmente, o meu vacilante eu. Como mediador, evoquei Cedric Zavala (vocalista da banda The Mars Volta), não sei bem o porquê.

Eis o ocorrido, sem tirar nem pôr:

Cedric: Is anybody there?
Elton: Parece que sim, parece que estamos estáveis com a projeção das imagens.
Faustão: Ô loco, meu!
Elton: Sim, sem dúvidas. Mas, primeiramente, muito boa noite.
Elton: Modere o sorriso Fausto, o problema, Cedric, senhores da banca, é que esse homem faz do espaço público a sua própria latrina. Ele já tem o sucesso, por favor, não há motivos para continuar com essa distribuição baixa na televisão brasileira.

[parecer acadêmico sobre a reversão psicológica: é o próprio Elton quem preenche seu espaço privado com a mais variada imundice, é o próprio a não aceitar o contentamento que lhe é cedido pela vida ou a disposição eternamente ambivalente do espírito humano, e não quer admitir]

Faustão: Que isso bicho! Sou um exemplo, tanto no pessoal quanto no profissional, de um homem preocupado com o desenvolvimento do potencial brasileiro, e por que não, do ser humano.
Elton: Gostaria de manter-nos fora do plano das ofensas, mas o senhor é um hipócrita dos grandes!

[parecer acadêmico sobre a reversão psicológica: é o próprio Elton quem é o hipócrita, dos grandes, e não quer admitir]

Faustão: É brincadera eim bicho! Num oferecimento das sandálias Ipanema.
Elton: você está a um passo de inverter a ordem das coisas, a justificar a mediocridade das suas atrações por meio deste escudo inescrupuloso, desta bacia sem dono que virou a palavra "entretenimento", ou pela baixa demanda cultural do telespectador brasileiro, como se fossem estes os culpados. Não se justifica a falta de discernimento de um pela falta de discernimento do outro.

[parecer acadêmico sobre a reversão psicológica: é o próprio Elton quem tem o poder de controlar seus níveis morais e éticos, mas que não o faz de todo modo, com uso de esquivas e premissas falsas, e não quer admitir]

Nesse instante, Fausto Silva transformou-se num unicórnio vermelho e dourado, olhos vivos de iogurte, e dirigiu-se para o rio Paraíba do Sul cantarolando antigas canções do ciclo do ouro, no século XVII. As pessoas da banca revelaram-se nada mais que copos d'água, mas preenchidos com Taff Man-E

Elton: Cedric, faça algo, o meu diabo não me leva a sério!

Cedric rodopia como um Michael Jackson latino, desperta uma labareda de fogo em seu microfone e vocifera, no mais agressivo merengue que já se tenha visto: Is anybody there?

Levando-me ao delírio.

ENCONTROS FORÇADOS, parte I

[Crime e Castigo, cap VII, pg 92. Apartamento de Aliena Ivánovna, Raskólnikov acaba de matar a velha e incia o roubo] Ele botou o machado no chão, ao lado da morta, e no mesmo instante atirou-se ao bolso dela, procurando não se sujar do sangue que escorria. [...] "Meu Deus! Preciso fugir, fugir!" - balbuciou e lançou-se para a ante-sala. Mas ali o aguardava um horror como, é claro, nunca havia experimentado.

[entra em cena Ferdinand Bardamu de Viagem ao Fim da Noite, pg 118]
— Estou te reconhecendo direitinho, que é que aconteceu com a velha? Você já vinha crente que ia tirar a barriga da miséria, hein, seu cafajeste? Quem sabe também achava que ia enrrabar a madrinha?

[Grande Sertão: Veredas, pg 532. Riobaldo aparece por detrás da cortina, reflexivo] 
Aquela mulher sabia dureza; riscava. Ela discordava de todo destino. Assim estava com um vestido preto, surrado muito desbotado; caiu o pano preto, que tinha enlaçado na cabeça, e ela não se importou em ficar descabelada. E a boca marcava velhos sofrimentos? Para mim, ela nunca teve nome. Não me disse palavra nenhuma, e eu não disse a ela. Tive receio de vir a gostar dela como fêmea. Muito melhor que ela não carecesse de vir - que se tem que carregar cobras na sacola, sem concessão de se matar... [Riobaldo observa Raskólnikov petrificado e delibera, na pg 544] Aquele homem, mesmo com a valia e bizarria dele, eu pudesse querer mais no meu bando? [e solta a voz, finalmente, pg 566] "Tu, menino, tu vem adiante, mano-velho: emparelhado comigo... Tu me dá sorte!". 

[Crime e Castigo, pg 95]
"O que eles estarão?..." Esperou com paciência. Num instante tudo ficou em silêncio, cessou bruscamente: dispersaram-se.

[Viagem ao Fim da Noite, pg 118]
Fomos embora nós três juntos para os lados de Grenelle. Contamos nosso dinheiro, o de nós três, não dava muita coisa, e depois talvez ainda sobrassem alguns trocadinhos, mas não suficientes para uma trepadinha na zona. Mas mesmo assim fomos ao puteiro, só para tomar um trago.

DROGA PARA COELHOS

Prova de que não sou moralista é que passei a escutar drogas. Não digo da violência sonora a qual tenho sido submetido sistematicamente na academia de musculação (há um preço caro para tonificar o chester), ou do pernicioso momento que antecede a luminescência das telas de cinema do Cinemark, quando me descubro envolto a uma atmosfera "bossa-lounge" da rádio da casa - e nesse instante a minha brasilidade, constrangida, pede proteção. Refiro-me ao I-Doser, emulador sonoro de drogas. Tentar se entorpecer mediante ruídos intermináveis e sem corroer o metabolismo não é um método particularmente subversivo, mas há certo coeficiente de malandragem em investigar drogas antes de dormir.

É perda de tempo ouvir «ópio» no software, assim como é perda de tempo o LSD, o anestésico, a cocaína, o crack, a heroína, a maconha, a morfina e o peyote. Mantive o meu embalo distante do fascinante «viagra», temi os seus efeitos na solidão. Aceite o produto dessa pesquisa e vá direto ao que há de melhor, o chamado «HandOfGod» - ele contagia com suas frequências ondulantes, um pipipi agudo e um zumzumzum imponente passeiam em ciclos comoventes. Deite-se, certifique-se da mais rigorosa escuridão em seu quarto, faça uso do seu headfone de 300 reais e surpreenda-se: como seria passar uma temporada no útero de um aspirador de pó avariado ou de um liquidificador ARNO dos anos 80. Há um momento especialmente crítico – a apoteose – em que é perfeitamente plausível de se esperar por uma explosão craniana, mas tudo não passa de uma cilada para Roger Rabbit.

A versão do I-DOSER disponível para download no site oficial é de descontentar, só oferece o aperitivo «álcool» – absolutamente frustrante para quem busca algo barra pesada, como sentir-se numa turbininha de ventilador. Tive de pedir favores a pessoas que há muito se despojaram de qualquer rigor ético, pertencentes ao submundo dos traficantes virtuais, para só então me abastecer de toda a lista psicotrópica, já mencionada. Como era de se esperar, os relatos dos sujeitos entorpecidos só poderiam ter com a verossimilhança se levássemos a sério a afetação daquele sujeito que fumou orégano pensando ser maconha. Contudo, ocorre que há certo benefício para práticas de relaxamento ou de meditação, o estranhamento causado pelos ruídos auxiliam em exercícios de imaginação ativa e em mudanças de estados de consciência - que diferem dos efeitos das tais drogas pretendidas (imagino, finalmente vale defender a minha sobriedade). Caso contrário, as vendas de I-Pod sairiam do sucesso para alcançar o Éden, e a Osesp ganharia o gosto da juventude ao tocar «ecstasy - allegro vivace». 

ENANTIODROMIAS

Clarabóia é uma palavra feia. Faz imaginar uma mulher albina boiando no mar; uma caminhonete de bóias-frias suados num dia luminoso. Mesmo assim, quer significar algo bastante agradável: uma abertura no teto pela qual se pode observar o céu e o humor dos tempos sem evitar a preguiça (em vez de abrir a porta, a janela ou entrar no site do INPE e supor o exato inverso do que esses senhores afirmam).
Psicopompo é uma palavra feia. Faz imaginar uma psique pomposa; vaginas mentais pompoando, pompoando; cheerleaders psicóticas. Mesmo assim, quer significar algo bastante agradável: uma figura espiritual que faz a vez de guia das almas do reino dos homens para o reino dos deuses, um arquétipo que orienta a jornada da consciência na apreensão do universo inconsciente, como Hermes, um Puer Aeternus, um Ramana Maharishi, um psicanalista (piada), etc.
Enantiodromia é uma palavra ainda mais feia. Faz imaginar um câncer raro nalguma carne ou glândula quase desconhecida; o "dromia" provoca tremor em toda a palavra, é de dar medo. Mesmo assim, quer conceituar algo agradável: equivale ao princípio de estabilidade no mundo natural, onde qualquer intensidade vem a ser compensada por seu extremo oposto, produzindo equilíbrio. Não há só a razão, não há só o dia, não há só o talento; Faz-se o irracional, a noite e o Hans Donner.

Se a enantiodromia não é gerada naturalmente, ou se ela não é aparente ao nosso senso de oposição, procuramos com avidez um efeito de compensação semelhante, por amor à justiça. Prosegue que, se uma mulher foi premiada com gravíssima beleza, deduz-se imediatamente ser incapaz de ler A Montanha Mágica de Thomas Mann (a tese é velha e absurda, absurda).
Um psicopompo não passa de uma clarabóia. Ambos promovem o intercâmbio entre duas realidades, são sinônimos no plano das idéias. "Psicopompo" e "clarabóia" são também enantiodromias lexicais (assim como a própria palavra "enantiodromia"): são horríveis de se falar, mas falam bonito.


ESTADO DE ÁRVORE

Numa praça em diagonal, a total falta de planejamento permite que a merda do seu cachorro possa ficar ao encargo da vida - nada de sacolinhas - por ali ninguém passa e certas coisas só o tempo desenfeza. É o lugar e a vez do desperdício mental.