GÊNESE

Aos 18 anos de idade busquei resposta a uma questão bastante pendente, a da existência, e a minha distintamente, não só por egoísmo, mas por ser tudo o que tenho. Como brilha o olhar daquele que observa um amigo a listar-lhe alguns traços de personalidade, deveria haver remuração, se fossemos mais generosos, por essa livre consultoria de identidade. Na sequência, e com maior admiração, entendi que além da apreensão dos eus externos, a referência interior também não se tratava, absolutamente, de mim mesmo. Fechei os olhos e mergulhei no negrume. Observei com um interesse intensivo, todo o escrúpulo na atenção - "Sou o quê?". Em pouco tempo, o curioso não foram as formulações obtidas, independente do material levantado, mas antes a metodologia exploratória empreendida: o uso da memória. A memória é uma pochete imaterial na qual se guarda o passado, mas não é só, dentro dela há um artista expressionista a adulterar tudo. Para saber quem sou, deveria aceitar o uso da memória? Seja qual fosse a descrição, era do passado e fictícia. No instante presente um saber antigo não poderia satisfazer-me por faltar com a verdade. Eu ser uma ficção encheu-me de vivacidade, experimentei uma disposição de espírito inteiramente nova, sozinho e investigativo, indisposto com as respostas por puro descrédito à condição de ofertar-me verdades. "Eu sou uma ficção", portanto, foi a primeira resposta acolhida. Alterei em seguida a questão "O que sou?" para "Existe uma compreensão imediata do que sou neste instante?". No momento da atenção, ao invalidar a memória na experiência direta de si, eu jamais soube o que estava a existir. O silêncio invadiu a minha mais íntima sala e consagrou-se no sofá. Conclui, ali todo perplexo, o saber real de si não ser racional. No afã de pensar ainda consegui algo satisfatório, conquistei um ilimitado "não sei".

Um comentário:

Anônimo disse...

ja dizia raul seixas: "Viver é coisa irreal. Uns chama de magia e é tudo tão normal."