OUVRE-MOI TA PORTE

- Quer saber o que me cansa?
- Posso?
- Sabe quando pessoas se fingem de equilibradas?
- Isso é meio vago... 
- Não, to falando de uma coisa bastante específica... quando um extremista diz considerar o contrário só por um equilíbrio discursivo... pra sentir compensada a sua radicalidade, sabe disso? Um exemplo prático... um político da minha cidade quis controlar o abuso de velocidade e disse que mesmo assim "o importante é o trânsito fluir!"... mas ele aumentou a fiscalização, metralhou de multas a cidade inteira... deixou o tráfego completamente estagnado!... o idiota fez seqüências de vermelhos nas avenidas... isso sim irrita, como se só distribuir uma frase "devemos entender que o trânsito tem de fluir" já fizesse dele um budista... oração é oração, ação é ação.
- Ah, você tem toda razão nisso.
- Mas e você... o que você não aceita? 
- Ter duas fotos abraçado com o Amaury Júnior e nenhuma com o Sérgio Mallandro.
- Bom... então o que te incomoda também é o desequilíbrio.

CONSEQUÊNCIA (SEM TREMA) DA MENSAGEM ANTERIOR

Por que és infeliz?
Porque 99,9%
de tudo o que pensas
e de tudo o que fazes
é para ti,
e em ti não há ninguém.

Shankara (788 – 820)

GÊNESE

Aos 18 anos de idade busquei resposta a uma questão bastante pendente, a da existência, e a minha distintamente, não só por egoísmo, mas por ser tudo o que tenho. Como brilha o olhar daquele que observa um amigo a listar-lhe alguns traços de personalidade, deveria haver remuração, se fossemos mais generosos, por essa livre consultoria de identidade. Na sequência, e com maior admiração, entendi que além da apreensão dos eus externos, a referência interior também não se tratava, absolutamente, de mim mesmo. Fechei os olhos e mergulhei no negrume. Observei com um interesse intensivo, todo o escrúpulo na atenção - "Sou o quê?". Em pouco tempo, o curioso não foram as formulações obtidas, independente do material levantado, mas antes a metodologia exploratória empreendida: o uso da memória. A memória é uma pochete imaterial na qual se guarda o passado, mas não é só, dentro dela há um artista expressionista a adulterar tudo. Para saber quem sou, deveria aceitar o uso da memória? Seja qual fosse a descrição, era do passado e fictícia. No instante presente um saber antigo não poderia satisfazer-me por faltar com a verdade. Eu ser uma ficção encheu-me de vivacidade, experimentei uma disposição de espírito inteiramente nova, sozinho e investigativo, indisposto com as respostas por puro descrédito à condição de ofertar-me verdades. "Eu sou uma ficção", portanto, foi a primeira resposta acolhida. Alterei em seguida a questão "O que sou?" para "Existe uma compreensão imediata do que sou neste instante?". No momento da atenção, ao invalidar a memória na experiência direta de si, eu jamais soube o que estava a existir. O silêncio invadiu a minha mais íntima sala e consagrou-se no sofá. Conclui, ali todo perplexo, o saber real de si não ser racional. No afã de pensar ainda consegui algo satisfatório, conquistei um ilimitado "não sei".

AS FOLHAS CAEM NO QUINTAL

Plee diz:
puts
Plee diz:
a sandy perde a oportunidade de ficar no canto dela né
Elton diz:
q q aconteceu?
Plee diz:
nada
Plee diz:
ela resolve se enfiar
Plee diz:
em coisas
Elton diz:
enquanto coisas
Elton diz:
podiam se enfiar nela
Plee diz:
uma música eletrônica podre
Elton diz:
como facas

SINCRONICIDADES

Em eventos completamente distintos, tempos atrás, caíram-me nas mãos estes dois pequenos poemas, de autores igualmente distintos:


Quem és tu, caro leitor, lendo estes poemas daqui a cem anos?
Não posso te enviar uma só flor de toda a riqueza desta primavera, nenhum raio destas nuvens douradas...
Abre tuas portas, e olha ao redor!
Colhe de teu jardim as perfumadas lembranças das flores que murcharam cem anos antes... Talvez recebas em teu coração a alegria viva que te envio nesta manhã de primavera, ecoando sua voz feliz através destes cem anos.


Rabindranath Tagore (1861-1941)


Agora cheio de vida, pleno, visível,
Eu, com quarenta anos de idade no octogésimo terceiro ano dos Estados Unidos,
Para alguém daqui a um século ou a muitos séculos,
Para ti ainda por nascer, estas palavras, procurando-te.

Quando as leres, eu que estava visível, estarei invisível
E tu serás pleno, visível, entenderás os meus poemas, procurando-me,
Imaginando como serias feliz se eu pudesse estar contigo e ser teu companheiro.
Que assim seja como se eu estivesse contigo. (Não estejas tão certo, mas eu estou neste momento contigo).


Walt Whitman (1819-1892)


Num instante, Tagore e Whitman entregaram-se à imortalidade insegura e crua: a anônima continuidade da mente humana. Tagore, Withman, não importa quem. A mente que experimento carrega a condição humana, ou a condição humana carrega a mente que experimento. Naquele exato momento, inclusive parei da vastidão contemplativa, estavam vivos comigo.

O QUE SOMOS, POR TRÁS DE TODAS AS NOSSAS BÁSCARAS, SENÃO HOMENS DESMEDIDOS?




Geometria psicanalítica. Funções da consciência. O meu plano cartesiano é o da trilha sonora do dia. Justice.